João, um caminhoneiro de 45 anos, seguia sua rotina como sempre. Com o rádio velho tocando modas sertanejas e a cabine do caminhão servindo de casa, ele atravessava o Brasil para garantir a pensão dos filhos. Morava em uma quitinete nos fundos de um posto de gasolina em Goiânia, mas passava mais tempo na estrada do que em qualquer outro lugar. A vida era solitária, mas prática. Ele tinha convicção de quem era e do que precisava fazer.
Naquela semana, ele recebeu um frete longo: levar uma carga de tijolos de Goiânia a Aracaju. Quarenta horas de estrada. Ao passar por Feira de Santana, o GPS perdeu o sinal. Sem saber para onde ir, ele encostou o caminhão e avistou um jovem magro e de olhar inquieto, sentado na beira da estrada. Jorge, 20 anos, fazia "chapa" desde os 16. Expulso de casa ao revelar que era gay, sobrevivia carregando e descarregando caminhões, sempre vagando entre postos e estradas.
João pediu informações sobre o caminho. Jorge, sempre atento a oportunidades, se ofereceu para ajudar. “Se me der um prato de comida, te mostro o melhor trajeto até Aracaju.” João, que tinha um coração mais generoso do que gostava de admitir, aceitou.
No posto de gasolina, Jorge devorou o jantar que João pagou. Comer era raro para ele, e aquele prato quente parecia um banquete. Entre uma garfada e outra, os dois conversaram. João falou sobre os filhos, sobre o peso de estar longe, enquanto Jorge contou sobre como a estrada era a única casa que conhecia. Quando as palavras já não bastavam, as cervejas quentes – o máximo que o posto podia oferecer – desataram ainda mais as línguas.
Bêbados, riram da vida e do acaso que os unira. Quando a noite caiu, voltaram ao caminhão. Dormir na boleia era um hábito para João, mas, com Jorge ali, o espaço apertado parecia ainda menor. Deitados lado a lado, o calor dos corpos e o efeito da bebida os conectaram de um jeito inesperado. O toque, tímido no início, se transformou em algo intenso. João, que sempre se viu como heterossexual, não entendeu, mas não resistiu.
Na manhã seguinte, Jorge estava constrangido. Tentou se afastar. “Melhor você arranjar outra ajuda, João.” João tentou argumentar, mas Jorge foi firme. Saiu do caminhão e desapareceu entre as ruas da cidade.
João seguiu viagem, mas a lembrança da noite anterior o atormentava. A estrada parecia sem fim, e o vazio ao lado o incomodava mais do que admitia. Após uma hora, não aguentou. Deu meia-volta e voltou ao posto, mas Jorge não estava mais lá. A atendente contou que ele fora levado por dois homens por causa de uma dívida. “Acho que vão matá-lo”, disse, indiferente.
João entrou em pânico. Sem pensar, saiu em busca de Jorge. Atravessou ruas e estradas até avistar um pasto afastado. Lá, encontrou os dois homens segurando Jorge, prontos para machucá-lo ainda mais. A raiva tomou conta de João. Ele pegou um facão no caminhão e avançou. Depois de uma briga intensa, conseguiu afastar os agressores e salvou Jorge.
Machucado, Jorge chorava, mas o alívio de ver João era evidente. João cuidou dos ferimentos dele na cabine do caminhão. Enquanto limpava o sangue e colocava gelo nas contusões, os dois discutiram. Jorge, exausto, desabafou: “Minha vida não é para ser vivida, João. É só para ser sobrevivida. Nunca tive nada, nunca fui amado. Eu só existo. E mesmo assim... ninguém nunca me levou embora.”
As palavras de Jorge cortaram João como um facão. Ele chorou, incapaz de segurar a emoção. Em um gesto instintivo, o beijou. Depois, sem dizer nada, abriu a porta do passageiro. Jorge hesitou, mas, entre lágrimas, entrou no caminhão. A viagem seguiu em silêncio, até que Jorge pediu que João parasse. Quando o caminhão parou, ele abraçou João com força. Os dois choraram juntos.
Ao chegarem em Aracaju, João entregou a carga, mas não tinha pressa de voltar a Goiânia. À noite, os dois foram a um bar simples, com chão de terra e luz baixa. Depois de algumas doses de cachaça, João confessou: “Amo meus filhos. Quero que eles sejam doutores. Mas hoje... meu único desejo é ficar aqui.”
Jorge, com um sorriso tímido, respondeu: “Eu também ficaria aqui com você.” Eles dançaram um forró apertado, olhando-se nos olhos. Naquele instante, a estrada, com todos os seus desafios, parecia menos solitária. Ambos sabiam que o futuro era incerto, mas, pela primeira vez, sentiram que não estavam sozinhos para enfrentá-lo.