Porta (ou, não estou mais morrendo).

Não, este não é um bom momento. Andam passando coisas tão estranhas por aqui, que não estou merecendo receber visitas. Tudo está bagunçado (já sei que sempre esteve bagunçado, mas desta vez é diferente) parece que não vou ter tempo de arrumar nada, nunca eu achei que tudo fosse tão finito. Eu que sempre me senti rocha, me descobri brisa. Está chegando o fim e eu nem encontrei as chaves pra destrancar essas portas, nem aquelas janelas, nem mesmo uma brecha vai dar pra abrir, ninguém vai ver nada desta bagunça e o relógio na parede continua. Continua.

Será que devo ouvir uma canção enquanto espero? Não que me faça grande diferença, nada faz. Sinto que estou tenta adiar o tempo, a televisão está ligada, mas já não a ouço, ou talvez seja só um grande quadro na parede, no meio desta confusão que virou isto aqui. Também não acharia um rádio neste momento.

Será que algum dia eu já tive um rádio? Acredita que depois de tão pouco tempo de uso a memória já me falha. Será que tenho garantia estendida? Isso eu também não lembro, mas, será que com a troca ainda seria eu? O relógio na parede não para de me olhar. E continua.

Onde estão minhas chaves?

Devo confessar, no entanto, que pelas últimas semanas consegui fugir. Desviar o olhar dos ponteiros e dos números, fingir que o tempo não estava me engolindo, (algumas vezes eu até ouvi a televisão, nada do que era dito me fazia sentido, ou simplesmente eu não me lembre, mas existia um som) isso geralmente acontece quando eu estou com alguém, falando sobre assuntos normais, que neste momento não me interessam em nada, mas não me deixam afundar.

Ver pessoas me mantém em pé. Mas como levantar no meio da minha bagunça e encarar diversos olhos, que não estão pensando o tempo todo em seus relógios? Que se confortam na certeza de que seus relógios tenham milhares de voltar ainda a dar. Estou ali, rindo com eles, comendo com eles, dançamos e bebemos de vez em quando, mas só penso na bagunça que está e em como pude ter quebrado meu relógio. Será que me lembrarei deles, será que me lembrarei de mim?

Vou ficar por aqui. Não estou em condições de receber visitas. Também não me lembro se eu um dia estive. Vou ficar até que o relógio pare. Vou pensar nisto até minha mente ferver, quem sabe não me sobra um tempo e eu não encontro minhas chaves? Será que ainda me lembro em que ano estamos? Será que um dia fui rocha?

Se eu encontrar as chaves um dia, eu aviso. Se meu relógio não parar também. Se tudo seguir nos trilhos te espero para uma visita, caso contrário, acredito que tudo o que foi dito ou feito foi em vão.


Adeus.