Deslocar

Olhei fixamente para os meus pés enquanto andava, meus passos perdidos naquele lugar com muita gente também dando seus passos perdidos, mas que me deixava com a sensação de solidão. Tudo o que eu via era tão automático que me questionei como um dia na vida se nasce sem saber andar, é algo tão motor, tão automático, que não exige qualquer controle, só é necessário que se coloque um pé depois do outro e enfim, está se andando, uma matemática exata e simples.

Mas imergido nos movimentos de meus pés, consegui até esquecer por um momento o quão frio estava ali - tudo de alguma forma, sempre está relacionado ao frio - mas eis que em minha frente, ali, tocando as escadas de um forma tão delicada, quase que sexual, estava o sol, na perfeita divisão tênue que a  manhã faz entre a luz e a sombra, no meio do monte de concreto e a pouco mais que dez passos de meus andar de máquina o calor que podia até me salva, mas eu estava com dois casacos e ainda gemia de frio. Olhei para a luz, para o sol, para meus pés e chorei.

Chorei porque eu me sentia exatamente como aquela manhã fria.

Me sentia parte daquela momento matutino do meio de outono, onde o sol se esforça ao máximo para aquecer, mas não é o suficiente para te fazer tirar o casaco. Chorei sem ninguém ver, as pessoas não se olham de verdade quando se cruzam, mas as que me olhavam não viam minhas lágrimas, era um choro interno, destes que te fazem prender a respiração até te levar a apneia. Você não tem forçar para fazer com que as lágrimas saiam. Eu queria que elas lavassem, ou levassem aquilo. Não sou máquina.

Mas do meu modo humano-automático eu continuei andando, buscando no meio do clarão do sol encontrar um motivo para tudo o que eu sentia, encontrar calor para todo o sentimento que estava ali, encontrar uma sombra no fim do túnel. Pois mesmo sem as lágrimas e com meus dois casacos, todo aquele monte de pessoas que passavam por mim podiam ver estampado em meus cabelos, em minha pouca pele descoberta, em minhas mãos e principalmente em meus olhos que qualquer sopro me derrubaria e eu continuei andando, um pé depois do outro, continuei seguindo com o sentimento que eu nem sabia o nome e que mal sabia sentir.

E andei.

Andei como se andar fosse, naquele momento, a única alternativa plausível, como se em cada passo eu deixasse de cair por um segundo.

Queda-livre.